Texto e fotos: Estacios Valoi 02/05/2014
(www.soldoindico.co.mz) São duas horas da madrugada. No meio do silêncio e da escuridão os agentes de fiscalização apercebem-se da presença de furtivos no Parque Nacional das Quirimbas (PNQ). Munidos de cinco armas AK-47, iniciam a perseguição aos contrabandistas de madeira que se fazem transportar numa viatura Land Cruiser carregada de madeira.
Depois de uma longa perseguição, os furtivos desaparecem no meio da mata. Este é um episódio que se repete com frequência no PNQ mas desta vez contou com a presença da nossa equipa de reportagem. «Estamos aqui e, há furtivos que estão a cortar árvores noutras áreas na margem do rio Montepuez.
Pau-preto, corte ilegal feito pelos furtivos a espera de ser removido-Muaj,Ancuabe-Cabo Delgado |
Os madeireiros furtivos, no entanto, para lograrem os seus intentos, contam com a conivência de alguns fiscais e agentes da polícia. «Este carro, carregado com estas tábuas de 15 centímetros cada, pertencem a um polícia. Foram apreendidas no distrito de Ancuabe na aldeia Muaja no interior do Parque Nacional das Quirimbas, perto da montanha Chirimba, zona onde existe muito contrabando de Madeira», disse. A vida luxuosa de alguns fiscais denuncia o envolvimento daqueles no contrabando da madeira, um negócio ao qual estão também ligados algumas figuras da actual nomenclatura política.
No ano passado, um documento publicado pela Agência de Investigação Ambiental, organização não-governamental do Reino Unido, relacionou o actual ministro da Agricultura, José Pacheco, e o antigo titular da pasta, Tomas Mandlate, à exploração ilegal de madeira por empresas chinesas.
Madeireiras sem licença continuam a operar Algumas empresas continuam a explorar madeira em Cabo Delgado, apesar da Direcção Provincial da Agricultura ter cancelado as suas licenças de exploração de recursos florestais e faunísticos.
As companhias forjaram novas técnicas de contrabandear a madeira, principalmente nesta fase em que o número de empresas com licenças simples reduziu significativamente. O número de licenças emitidas reduziu de 157, em 2012, para 15 em 2013. No entanto, para prosseguirem com as suas actividades, as operadoras do ramo madeireiro que têm as licenças canceladas, actuam através das suas empresas associadas.
Por exemplo, a empresa Mofid. Lda. a quem foi retirada a licença por um período de um ano, «continua a operar através das suas empresas associadas nomeadamente a Henderson Internacional, Jian Internacional e Kam Wam».
A Direcção Provincial da Agricultura cancelou em 2013 as licenças de exploração de recursos florestais e faunísticos as empresas Mofid, Gak, Kingway, Wood export e João António e outras identificadas pelos nomes dos seus proprietários, como no caso de Machude, Tualibo Adelino, Guilhermina Quivalaca, Flávia Fortunato, Chareia Zulficar, Cecílio Ali e a Panga e Comadel por estarem envolvidas no contrabando de madeira.
Tronco abatido com e por baixo o nome do cliente |
A Universidade Eduardo Mondlane (UEM) divulgou a 24 de Fevereiro um estudo sobre a exportação ilegal da madeira em Moçambique. Os números são assombrosos e ilustram quão assustadora é a realidade do contrabando da madeira de Moçambique para a China. O relatório da UEM indica que a madeira abatida em 2012 foi de 900 mil metros cúbicos, uma diferença astronómica comparativamente aos 321 mil metros cúbicos, licenciados pelo Ministério da Agricultura para o mesmo ano.
O relatório publicado por aquela instituição do ensino superior refere que «mais de dois terços de toda a exploração madeireira actual é ilegal, os níveis de exploração sustentável estão a ser barbaramente excedidos».
O documento também aponta que, desde 2007, que os níveis de exploração ilegal de madeira vem aumentando a cada ano – algo que não constitui nenhuma novidade – a não ser o aumento dos 88 por cento que segundo o relatório vem se registando desde aquela altura. Ainda de acordo com o referido relatório são cortadas todos os anos de forma ilegal quantidades de madeiras que equivalem a 250 milhões de dólares (7.500 milhões de meticais).
Dois meses após a publicação do relatório da UEM, o parlamento moçambicano aprovou a Lei de Conservação de Floresta e Fauna Bravia que, entre outras multas, estipula uma pena de prisão que varia de dois a 12 anos. Contudo, até que a lei entre em vigor em 2015, mais campos de futebol continuam a ser criados pelos contrabandistas de madeira.
Industrias de abate e transformacao de madeira nas matas -Muaja-Cabo Delgado |
Os contrabandistas instalaram nas províncias de Niassa, Cabo Delgado e Zambézia indústrias transformadoras para facilitar a retirada da madeira do território nacional. Recentemente, a nossa equipa de reportagem percorreu algumas das matas da província de Cabo Delgado, tendo-se inteirado de como decorre o processamento e a exportação ilegal da madeira. Com recurso a técnicas e ferramentas antigas como serras manuais, os madeireiros furtivos transformam os troncos em pranchas e depois vendem-nas aos seus clientes chineses.
Para que não seja identificada como ilegal, os compradores misturam a madeira contrabandeada com a já declarada legal. Há, no entanto, casos em que os agentes de fiscalização apreendem madeira contrabandeada, como foi exemplo o episódio a que a nossa equipa de reportagem assistiu em Muaja, no distrito de Ancuabe.
Um dos fiscais - que preferiu o anonimato - revela que a exploração ilegal tem atingido contornos alarmantes. «Esta madeira é toda processada aqui. Depois eles exportam parecendo que compraram oficialmente. Toda esta área de Muaja está inundada de madeira», disse o fiscal acrescentando que «agora estamos a ver se retiramos esta madeira apreendida o mais rápido possível, porque, caso não, os furtivos vão levar a madeira esta noite. Ou vamos ter de deixar alguns fiscais para guardá-la até amanhã».
Viatura da empresa Mofid cheia de madeira, especie Pau-Preto entre Montepuez e Muaja |
Rotas e mercados do contrabando da madeira
Segundo os agentes de fiscalização das diversas matas escaladas pela nossa equipa de reportagem, os furtivos mais astutos vêm do distrito de Montepuez, onde existem indústrias chinesas de venda de madeira, e onde estão sediados os maiores compradores de madeira furtiva. «Quando roubam aqui mandam vender em Montepuez. Cortam madeira e escondem em Muaja no posto administrativo de Mesa».
Em Montepuez, a madeira chega em toros e prancha. A chafuta e o pau-preto são as espécies mais procuradas. Um metro cúbico de pau-preto ronda aos 500 dólares (15 mil meticais). «Vendem para chineses em Montepuez, um chamado Cabeça Grande e outro Casca de arroz. Temos outros madeireiros furtivos como Jacinto Salati e Buana», acusou o fiscal.
Em Niassa, a madeira é escoada através do porto de Dar-Es-Salaam, facto que, segundo o administrador da Reserva Nacional do Niassa, Cornélio Miguel constitui outro grande problema. «A madeira da Reserva Nacional do Niassa é exportada para o território tanzaniano com a conivência dos agentes da guarda fronteira», acusou o dirigente.
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