Páginas

domingo, 27 de agosto de 2017

De Moçambique para a China - Dinheiro fala mais alto





Estacio Valoi 
22 Agosto  2017  Oxpeckers Reporters
Mais de 90% da madeira moçambicana é exportada para a China com menos valor do custo real. Estacio Valoi expõe a colisão existente entre agentes-Despachantes, funcionários aduaneiros e gestores portuários

Enormes quantidades de madeira indígena são transportadas de Moçambique à China através dos portos das regiões Centro e Norte do país, como o Beira e Nacala. Depois de receber informações de funcionários do porto, o jornalista testemunhou factos de exportação ilegal envolvendo agentes Despachantes e funcionários das alfândegas em colisão com Administradores do porto.

 
Caminhões carregados de madeira trabalhada e em toros a caminho do porto do norte. Fotos: Estacio Valoi

Investigações com duração de um ano revelaram que uma empresa com altas ligações com o Ministro de Transportes e Comunicação, Carlos Mesquita sobressaiu no centro destas actividades no porto da Beira: A Rotterdam-based Cornelder Holdings. Desde 1998 que a empresa é parceira dos Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique numa joint venture conhecida como a administração da Cornelder Moçambique.

A mesma é descrita por pessoas internas como os “ovos de ouro” da dinastia Mesquita.

“Toda a carga é estritamente controlada pela administração (Cornelder)…centenas, milhares de contentores. É de onde provém o seu dinheiro. Frete” disse um dos oficiais na Beira, que pediu anonimato por receio de perder o seu o emprego.

De acordo com um relatório do Ministério de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) que analisa a importação de madeira registada pela China entre os anos de 2005 e 2016 defere significativamente – ronda aos 950 milhões de dólares – dos dados de exportação registados pelas Alfândegas de Moçambique, e os Serviços de Floresta e Fauna Bravia, entidades responsáveis pela exportação de madeira.

 
Portos de exportação: a Beira no centro do país e Nacala no norte são os principais portos de contrabando de madeira. Mapa cortesia das bibliotecas da Universidade de Texas

Beira o ‘Primeiro ponto de saída’

É através do porto da Beira o ‘primeiro ponto de saída” administrado pela Cornelder donde a maior parte da madeira é exportada. De acordo com a sua página online, a empresa mantém um controlo severo sobre as exportações, com um sistema de segurança de câmaras CCTV instaladas em pontos estratégicos.

Fontes que trabalham no porto da Beira referem que este controlo gerou grandes riquezas para a “Dinastia Mesquita” e que para os proprietários do Porto “apenas o dinheiro importa”.

 “ As autoridades do Porto está informado de tudo o que acontece” disse a nossa fonte trabalhadora no porto da Beira.”

Recentemente, Mesquita foi convocado pela Comissão Central de Ética Pública, criada à luz da Lei de Probidade Pública, para fazer face às preocupações de alegado conflito de interesses que envolve uma empresa parcialmente pertencente a si.

Sua aparição estava relacionada com um contrato adjudicado pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades sem concurso público, para a empresa de Transportes Carlos Mesquita Ltd (TCM). O ministro é um dos proprietários do Grupo Mesquita, principal accionista da TCM, adjudicada com um contrato no valor de 20 milhões de meticais o equivalente a (296 000 dólares) em Fevereiro deste ano.

Em direito a resposta, perguntas enviadas a Mesquita-Cornelda sobre as suas ligações com a empresa e as alegações que a empresa estivesse a fazer vista grossa em relação a exportação ilegal de madeira, declinou-se responder. A Cornelder também não deu resposta a estas mesmas alegações.

Em Outubro do ano passado em mais uma tentativa de exportação ilegal de madeira em 1500 metros cúbicos de Moçambique com destino a China foi apreendida no Porto da Beira. Oficias do MITADER e dos Serviços de Floresta e Fauna Bravia confiscaram camiões transportando madeira a partir de Tete, porque a carga estava acima da recomendada por lei.


Este vídeo feito por um cidadão em Julho de 2017 que ilustra caminhões de madeira que saem das florestas de Moçambique, tornou-se parte de uma petição ao governo e ao Banco Mundial. A campanha também mapeou 37 estaleiros chineses de madeira num percurso de 45 km da estrada EN6 ate ao porto da Beira.

Medidas do Governo

No início do mês de Novembro, do ano passado, o parlamento Moçambicano aprovou uma lei que proíbe a exportação de madeira em torro, a esta lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2017. A proibição não se aplica a madeira semi processada, como vigas, tábuas e parquê, ou produtos acabados como mobília.

Outras medidas do governo para travar o saque da madeira incluíram a “Operação tronco” que levou os serviços de floresta no centro e norte, a efectuar inspeções a operadores de madeira e culminou com a apreensão de 150. 000 Metros cúbicos de madeira ilegal entre os meses de Janeiro e Março de 2017.

O ministro de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural Celso Correia disse no mês de Abril, que mais de 120 estaleiros de madeira foram inspeccionados, maior parte deles pertencentes a cidadãos Chineses e operações ilegais foram detectadas em 75 % dos estaleiros inspeccionado.

Correia disse que operações ilegais de extração de madeira, custavam ao país entre 150 a 200 milhões de dólares por ano. Durante o período de medidas contra operações ilegais, foram aplicadas multas no valor acima de 157 milhões de meticais (2.5 milhões de dólares).

Durante a “Operação tronco” a exportação de madeira foi interrompida, contudo, de modo a minimizar as perdas dos operadores madeireiros legais, Correia autorizou a exportação de certas cargas com as devidas licenças e impostos pagos.

As redes dos ilegais, também aproveitaram-se desta permissão para contrabandear contentores cheios de madeira ilícita para a China.

Os registos dos Serviços das Alfândegas da China, indicam que durante o mês de Abril 64.000 metros cúbicos, avaliados em 28.3 milhões de dólares, foram importados de Moçambique. Em Maio, cerca de 32.000 metros cúbicos avaliados em 16,468,080 dólares foram também importados.
 (Este gráfico, de um relatório do Ministério da Terra, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Rural (MITADER), mostra como as importações de madeira registradas pela China entre 2005 e 2015 diferem muito - cerca de US $ 950 milhões - dos correspondentes dados de exportação documentados por Moçambicanos Alfândega e os Serviços de floresta e Fauna Bravia)
A investigação

As investigações com duração de um ano pelas rotas da madeira, seguindo o fluxo da madeira das florestas de Nampula e Chimoio para os portos de norte e centro, indicam exportação ilegal de madeira.

Para investigar o processo a partir de dentro dos portos, este repórter identificou-se como um homem de negócios ansioso por transportar “em particular de forma ilegal” madeira a partir de Tete, que se encontrava em um campo inexistente no distrito de Dondo, cerca de 50 km da Cidade da Beira.

Operadores do porto, oficiais das Alfândegas e Despachantes, disseram que a situação era “quente” mas não era impossível. Um dos despachantes “Elton” muito conhecido na Beira, ofereceu-se para exportar a madeira, desde que a parte paga a si cobrisse toda a operação. Era condicional que o suborno fosse partilhado com o despachante, oficiais das alfândegas envolvidos.

“Tem de pagar 150 dólares por contentor, isso dá-me uma margem para pagar os meus homens” disse ele. “ Não se preocupe com os agentes, scanners de controlo e oficiais das alfândegas. Trabalhamos todos juntos”.

Expliquei que tínhamos 40 contentores para exportar e queríamos um desconto. “ Claro, por 40 contentores pagas um valor de 25 000 meticais por cada (cerca de 400 dólares),” disse Elton.

Pedí para conhecer os seus associados das alfândegas e os controladores dos  scanners da Kudumba. “ Vais conhece-los assim que fizeres o primeiro pagamento” disse ele “e quando trouxeres os contentores para embarcar".

Este cenário repetiu-se com vários despachantes. Alguns eram mais cautelosos. Um dos agentes “Donald” quando abordado sobre o mesmo assunto, respondeu discretamente: “Nós podemos exportar. Temos nossos próprios meios de fazê-lo".

Um oficial das alfândegas da Beira, acrescentou que a madeira poderia ser carregada aos contentores para embarque fosse qual fosse a sua característica.

Funcionários do porto e vendedores de madeira na Beira, disseram que os Chineses estavam a comprar enormes quantidades de madeira. “Dinheiro fala mais alto. "Tu vendes madeira quente e mesmo que seja ilegal, chega-se a uma negociação com os oficiais das alfândegas,” disse um funcionário do Porto.



Funcionários da (MITADER) com um dos troncos gigantes apreendidos na rota do porto de Nacala: Foto Estacio Valoi

Apreensão em Nacala

De acordo com a direcção provincial da MITADER em Nampula, 28.895 metros cúbicos de madeira foram exportados da província para a China no primeiro trimestre de 2017 – 90% dos quais via o Porto de Nacala.

Foi em Nacala onde o antigo Ministro da agricultura, Tomás Mandlate e uma empresa parcialmente pertencente a si, tentou exportar 1020 contentores de madeira para a China em Dezembro passado. Pelo menos 390 dos contentores foram encontrados no recinto do Terminal de Exportação Especial de Nacala, uma empresa privada em que Mandlate é accionista e presidente da direcção.

A equipa do MITADER, encabeçada pela Directora nacional, Olívia Amosse, apreendeu madeira e multou empresas em 15 milhoes de meticais (cerca de 207 000 dólares). Os contentores remanescentes foram encontrados no recinto de 3 empresas chinesas, Yzou, Zeng Long e Yang Shu.

Amosse disse ao semanário indenpendente Savana que um total de 33.000 metros cúbicos de madeira dura, teria sido exportado ilegalmente para China se sua equipa não tivesse intervido.



Ela disse que a situação encontrada em Nacala “era muito estranha” e mostrou que “estamos a enfrentar o crime organizado”. Era inconcibível que três entidades de aplicação da lei (a Polícia, a Autoridade Tributária, e o Ministério de Ambiente) não tivessem notado o que se estava a passar, disse a Directora.

Outras remessas ilegais de madeira encontradas em Nacala eram disfarçadas. Em Outubro, por exemplo, 16 contentores de maderia dura, declarada como fibra de algodão com destino para a China foram apreendidas por uma força conjuta de oficiais da floresta e alfândegas. A madeira alegadamente pertencia a um sindicato Chinês baseado no Malawi.

Três contentores da madeira Pau- ferro, declarada como castanha de caju com destino para China em Maio foram apreendidos em Nacala. O carregamento pertencia a uma empresa Chinesa de nome ABC, a madeira estava coberta de uma falsa documentação e tinha sido abatida durante o período de defeso.

A Procuradoria Geral prendeu dois oficiais do porto, sob acusações de branqueamento de capitais e contrabando de madeira. Três dos 18 membros do ABC foram presos por branqueamento de capitais enquanto outros encontram-se foragidos.

Um Oficial da Direcção provincial do MITADER em Nampula, disse que a madeira é frequentemente exportada sob categoria de castanha de caju fazendo uso de mais de uma licença.

“Os contentores são registados com duas licenças de exportação, uma como castanha de caju e outra como madeira. Enquanto a primeira licença é usada para ter acesso ao porto moçambicano para exportar, a segunda é usada para o seu destino final, a China, onde o verdadeiro produto dentro dos contentores, madeira, é declarada".

Links relacionados:



•https://www.change.org/p/celso-correia-para-com-o-genocidio-chines-contra-as-nossas-florestas-stop-chinese-forest-rape-genocide-in-mozambique?recruiter=92330304&utm_source=share_petition&utm_medium=copylink&utm_campaign=share_petition

Estacio Valoi é jornalista investigativo moçambicano. Esta investigação foi produzida pelo Oxpeckers Jornalismo de Investigação Ambiental, apoiado pelo Projecto Reportar sobre Corrupção e Crime organizado (OCCRP) e co-financiado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) em Moçambique.

Sem comentários:

Enviar um comentário