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sábado, 7 de janeiro de 2012

Ilha de Moçambique património mundial!





Texto e fotos: Estacios Valoi
08/01/12
Rasgando da ilha de Moçambique, cinco dedos a Sul e cinco a Norte a velocidade das monções do verão, em estorias que muita das vezes só a noite nos revela, por vezes encalhado no banco de areia, num espaço onde pela primeira vez a sempre espaço para empurrar o barco no mar alto. Coisas de uma ilha miscigesnada, de estorias ainda por desvendar, de ondas que gritam em silencio. Afinal somos todo um património ou detentores de um património, mundial ou não.
Estivemos naquele berço a procura de raízes enraizadas, cantado estorias, contando sons, dançando um pouco dos Swahill, Árabes, Portugueses, persas, Chineses, europeus, Moçambicanos…mais eis que me surge um “património”, que por conveniência aceitou o convite a um dedo de conversa.
Silje Erøy Sollien Arquitecta de nacionalidade Norueguesa no fim do primeiro ano da sua pesquisa sobre e na ilha de Moçambique, considerado pela UNESCO património mundial da humanidade. Tema este que é a base para o seu doutoramento com o financiamento independente do governo dinamarquês a findar em 2013.
A arquitecta que vem colaborando com a faculdade de arquitectura e planeamento físico da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo e com o Gabinete de Conservação da Ilha de Moçambique (GACIM), veio ao de cima.
A quanto tempo em Moçambique?
Este é o meu primeiro ano dos três que vai durar o meu doutoramento, estou aqui desde o mês de marco do ano passado e comecei a minha pesquisa em Moçambique
Porque este tema por estes lados do Indico?
Queria fazer algo sobre Moçambique. Trabalhei em Maputo, conheci arquitectos como Júlio Carrilho meu tutor na faculdade de arquitectura e gostei muito de trabalhar com eles. Interessou me uma cidade que é património mundial mas tem uma parte muito pobre, com muitos problemas sociais. As pessoas dizem que temos que elevar este lado, a conservação ou vamos tentar esquecer a questão do património mundial e melhorar as condições de vida das pessoas!? Existe alguma contradição entre as duas questões!? Esta foi a minha primeira ideia a investigar.
Estou a fazer uma Investigação sobre as casas populares e tradicionais na zona sul Ilha, isto, no Macuti e que fazem parte do património mundial que é toda a ilha, ainda não há ferramentas assim como uma politica clara para a sua conservação.
Que ferramentas e a que se deve a tal ausência de politicas coerentes quando se sabe que a ilha num todo é considerada “património mundial da humanidade” pela UNESCO?
Tem a ver com a gestão, há escassos recursos. Mas primeiro porque não existe uma definição clara sobre a parte Sul da ilha relativamente a aquilo que é considerado património mundial. Naquela zona as pessoas são pobres e sem recursos económicos para preserva as casas. É muito complicado dizer aquelas pessoas para preservar as casas sem apoio financeiro, também os valores sobre os quais a preservação da Ilha se inclina como património mundial não foram claramente definidos porque a Ilha é um testemunho da navegação no Indico, o estabelecimento de rotas comerciais entre a Europa, Ásia. Quando foi proclamada património mundial pela UNESCO teve como epicentro a parte que era portuguesa, a cidade da pedra e cal em detrimento do lado Sul, o Macuti.
Parece me haver um paradoxo sobre o que é considerado património mundial, refiro me aos descendentes dos antigos povos da ilha, o Macuti deixado para o fim.
Quando a Ilha começou a fazer parte da lista daquilo que é actualmente considerado património mundial, teve como bases o valor, razão de ser desta, a arquitectura tradicional ainda imponente, o testemunho do estabelecimento das rotas comerciais que foram estabelecidas antes de as pessoas começarem a viver em Macuti no Sul da Ilha, dentro o recinto das antigas pedreiras, algo que só se deu depois de 1850 quando a escravatura foi abolida algo mais recente. Houve aumento da população e a mudança da economia.
Antes disso a cidade com mais de quinhentos anos de Cal e Pedra estava na parte Norte próximo a fortaleza, havia uma mistura de ricos, pobres, generais, mercadores, escravos, empregados e na contra costa viviam pescadores, pessoas pobres.
1850, as pessoas êxodo da Zona de cal e pedra para Macuti no Sul. Faz ou não parte daquilo que se considera património mundial e só se valoriza o Norte e o legado cultural, pessoas?
Aqui na Ilha há pessoas que estão a fazer um trabalho no sentido de envolver toda a parte da ilha com traços Swahill, a cultura do litoral do Indico, da África, a troca comercial, a aculturação entre as pessoas que vinham da Índia, dos países árabes, possivelmente vindos pérsia, chineses e depois europeus. A mistura, a aculturação da ilha ‘e a coisa mais importante de preservar e, é com esta definição que a parte Sul significa um maior legado histórico, com 90% das pessoas da Ilha, carregadas de historia.
Sendo a zona de maior índice populacional de historia porque tem que se uma escolha minuciosa sobre o que pode ou não fazer parte do tal património?
Sim. A escolha dos locais é algo que este a ser debatido e depende de como é feito. Eu penso que o mais importante seria escolher algumas partes, casas, traços, marcos da ilha que contam a história porque não é possível preservar toda a parte Sul da ilha como foi tradicionalmente definido pela Unesco e sem espaço para mudança.
Já há muito trabalho feito sobre património intangível, refiro me a dança, a ligação das rotas comercias ao porto, e mais do que a cidade edificada as técnicas de construção, aspectos culturais na sua vasta dimensão. Temos que trabalhar mais para contar a história e não apenas sobre as casas que são vistas como futuro hotel para turismo.
Parece me que quando se fala da Ilha como património mundial, as pessoas correm para casas de cal e pedra perdendo se na sua imensidão interna e exterior. Será?
Quando falamos sobre a cultura do indico, a casa de Macuti, é uma mistura ideal que conta esta historia, tem a casa com quatro esquinas, são casas de uma arquitectura o tipo Swahili, com traços dos países árabes, temos em Zanzibar, no Lamu, e é patente. Em Moçambique, outrora na arquitectura tradicional havia casas no formato circular e, só aqui na Zona Norte com influência cultural islâmica é onde encontramos este tipo de casas.
Temos no Ibo em Cabo Delgado, Inhambane por onde passaram os antigos mercadores e aqui na Ilha é possível ver esses pormenores incluindo dos portugueses que são casas com grandes janelas e varandas. Em Macuti há casas muito grandes e que tiveram como base de inspiração os indianos e portugueses que chegavam e partiam, então a casa de Macuti tem uma estoria por contar.
Considerando o facto da existência dessa casa, e outros elementos já mencionados, no teu ponto de vista irias a Macuti escolher alguns pontos ou toda a zona Sul seria considerada património mundial?
Neste momento trabalho mais com as pessoas mais idosas, os anciãos para perceber, entender mais sobre a estoria de Macuti, especialmente nos bairros Litine, Maragonha. Para eles também tem valor, mas ainda não tenho um pensamento claro, mas penso que com base nesta pesquisa poderei fazer algumas recomendações quanto ao que tem que ser preservado. É complicado.
Complicado?
Porque se vão escolher algumas casas tem que ter definições rígidas, critérios claros. Por exemplo esta casa aqui onde vive um líder religioso islâmico (Xeique) e, é a mais importante da Ilha, única com traços arquitectónicos indianos e explica melhor; as pessoas querem apoio e se existe um projecto para as apoiar, tem que haver uma definição clara sobre quem vai receber o dinheiro, não podemos apenas considerar isto ou aquilo como património mundial porque também é preciso que existam fundos para a sua implementação.
Mas a UNESCO cunhou a Ilha como património mundial e hoje esta com problemas de definicao? Ser’a que Macuti não estava incluso no estudo ou são questões de interpretação?
Tudo aquilo que tem que ser preservado tem como base valores e, esses valores não estão bem definidos e penso que é uma questão de interpretação por parte da UNESCO e da comunidade Sim, porque a gestão do património mundial vem sofrendo algumas alterações, especialmente aqui. Existem outros lugares onde não se pode mudar o conceito da não alteração da estrutura física, mas se tencionamos gerir de forma diferente, torna se necessário uma definição clara. Primeiro a de valores depois os atributos físicos que ilustram esses valores. Temos que manter esses pontos porque são um legado, tem estoria para contar.
Já te ocorreu ter um livro como tese para a tua defesa mas que também possa de algum modo contribuir para a Ilha.
Vou terminar no fim de 2013, tenho o financiamento independente para a minha tese do ministério de ciências dinamarquês mas, também gostaria de implementar um projecto a margem da minha pesquisa, um projecto para contar melhor a estoria sobre Macuti, informação para os turistas, placas, formar as pessoas. Agora também estou a colaborar com o Gabinete de conservação do património da Ilha (GACIM) aqui na Ilha. É um escritório com falta de pessoal técnico, recursos humanos, deveria ser expansivo para gerir o património aqui edificado. Mas esta a trabalhar se nesse sentido.

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