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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
JARDINS PERDIDOS
‘A pintura tem que ser verdade ’
Texto e fotos por Estacios Valoi
30/12/09
De Lorenço Marques, Maputo, Carlos Fornazine, filho de um operário e escriturário dos Caminhos de Ferro (CFM) foi deixando lembranças no Bairro da Polana numa infância da qual bem se recorda das viagens nostálgicas pelos parques verdes, os jardins, a marginal, essas coisas todas de um menino jovem… e por ai afora.
Nascido em 1960, por coincidência ou não, na rua do Núcleo de Arte onde mais tarde viria a fazer parte daquela casa onde vários artistas plásticos da praça vão surgindo. Com algumas exposições individuais e colectivas, Fornazine começa a aprender rasgar a tela, cruzando cores, pinceladas, o verde e a mulher… exprimindo os seus mais profundos sentimentos.
E.V: Dos 12 anos de idade até hoje, os teus 50 anos, como é que descreves esta coisa de pintar?
C.F: Para mim a pintura tem a ver com o DNA. Acho que pinto aquilo que eu sou, nós não somos o princípio nem o fim de nada mas sim e sempre a continuidade de alguma coisa, acho que cabe a mim dar continuidade àquilo que já fui no passado.
É na pintura que devo mostrar como sou exactamente e quando me refiro ao DNA quero dizer que pinto aquilo que sou e não consigo fugir à minha maneira de ser e estar. As coisas que normalmente pinto são aquelas que vêm carregadas dentro de mim, a pintura tem que ser verdadeira e não uma invenção, tem que vir de dentro.
E.V: Pintar foi um sonho de infância?
C.F: Sonhos de infância! Não. A pintura acontece na minha vida de um momento para o outro. Sempre gostei de desenhar, nunca prestei muita atenção mas é em 1996, 1997 que surge em mim com bastante intensidade. Em vez de escrever, ou tocar um saxofone, pintei, então tudo remonta dos meus tempos de infância, porque sempre fui uma criança feliz embora não fosse filho de pais ricos.
Depois de ter estado a pintar desde os 12 anos de idade, penso que começo a pintar exactamente pelo verde, a clorofila e as cores. Na minha pintura predomina o verde, as flores e a mulher que é o princípio e o fim de tudo, apesar de ter 50 anos de idade, não mudei tanto naquilo que é essência do que faço. Penso que estou no mesmo sítio.
E.V: Teu ‘ ponta pé’ de saída pelo, verde, flores, jardins, parques. Hoje como é que vês esses parques ou jardins, e a mudança física ou arquitectónica da cidade de Maputo?
C.F: Outros tempos, naquela altura eram menos e havia mais tempo para nos ocuparmos dos espaços verdes, jardins, parques infantis, lagos, os peixinhos, aquela coisa toda da infância. Hoje estamos numa outra dimensão, diferente sistema, todo o espaço que era verde ou nesse mesmo espaço podia ou surgiu um prédio. Não podemos dizer que ontem era melhor e hoje é pior, cada tempo na sua hora. Recordo a infância com muita saudade, hoje as pessoas não são as mesmas, os jardins também não, mas a cidade é esta, a capital, é esta cidade minha querida.
E.V: Fases diferentes e hoje com filhos e netos em que jardins vão os teus filhos brincar se naquele espaço já existe um prédio?
C.V: Não sei, penso que existem muitos jardins e a cidade tem que crescer para fora. Eu cresci aqui na cidade de Lorenço Marques, hoje Maputo, mas aos 9, 10 anos fui para o bairro da Liberdade na altura Bairro Silva Cunha. Corria descalço, pés sujos, as micaias, a caca, a fisga essas coisas todas. A Cidade tem que crescer para fora e jardins podem haver muitos nestes sítios limítrofes, Infulene, T3,Congolote, Zimpeto e estas crianças de hoje neste âmbito terão os seus jardins. Estamos a falar de Maputo, que já era, acabou. Maputo é uma cidade comercial, não há mais jardins, tem gente a mais, carros a mais… adeus jardins!’ ‘ Vejam se não começamos a estacionar as nossas viaturas nas nossas varandas do 33 andares’!
E.V: Parece me que só mudam os números. Prestes a saltar de 9 para 10 que balanço fazes do teu trabalho?
C.V: A pintura é a minha vida, anos bons, melhores outros mais ou menos. Este foi mais um ano em que se vendeu. Vou abrir uma página na internet, estou a acabar de fazer o meu primeiro livro que versa exactamente sobre a minha pintura que vem com o titulo ‘A pintura tem que ser Verdade’, porque se a pintura não for verdadeira serão só cores, tintas, formas e o material didáctico.
E.V: ‘A pintura tem que ser verdadeira’. Como é que é viver da pintura ou viver como artista plástico em Moçambique?
C.V: As artes plásticas não têm que deixar de existir ou de praticar a pintura porque o País vai melhor ou menos mal. Penso que cada coisa deve estar no seu devido lugar. Fico meio aborrecido porque nas entrevistas geralmente perguntam assim ‘Será que em Moçambique é possível viver da pintura’? Penso que uma coisa não tem a ver com a outra porque nós vivemos num País emergente que ainda vive de doações.
A pintura deve existir naquilo que é o seu âmbito, dizer que vivo muito bem da pintura e que sou feliz, seria gozar de uma data de gente, até com melhor formação mas que é desempregada.
Viver da pintura num País como este, talvez o Malangatana, Naguibe, Manqueu, o Chissano escultor se ainda fosse vivo, pessoas que estão mais adiantadas neste panorama cultural das artes plásticas.
E.V: Âmbito cultural num país que vive de doações. Que pensas que se está a fazer em prol do desenvolvimento cultural?
C.V: Não sei. Nós os artistas temos a paranóia de que o Estado na pessoa do Ministério da Educação e Cultura devia dar mais, não vou dizer que não. Penso que cada artista deve fazer algo por si, ser artista num País como este não é fácil, o artista tem que velar por si, ver como é que vai comprar o material, fazer as obras, como apresentá-las, onde é que vai buscar o patrocínio, como é que vai fazer a exposição, quem é o potencial comprador e deixar de lamentar dizendo que o Estado não apoia. O governo tem outras coisas mais importantes como foco. Cada um por si, mas não quero dizer que não devemos conviver em associações como o núcleo de arte, a casa da cultura do Alto-maé e tantas outras que vão surgindo. O artista deve ter a mentalidade de que ele deve valer pelas suas acções e não ficar à espera que o governo esteja ali como uma muleta. Não é fácil.
E.V: Um livro e uma exposição na forja. Quanto à exposição, será individual ou colectiva? E como será intitulada?
C.V: O título da exposição virá com o tempo, possivelmente será uma colectiva mas com a mesma abordagem, com pessoas que compartilham esta minha maneira de ver as coisas, não me posso esquecer que sou africano moçambicano. Recentemente findou a 17ª Conferência sobre o clima em Copenhaga na Dinamarca, penso que os condimentos das minhas obras vão estar na esteira de tudo que tem a ver com esta problemática do clima, aquecimento global, as flores, as plantas, os animais que estão em vias de extinção, e esperar para ver.
E.V: Que ilações da conferência?
C.V: Penso que seria justo de facto que os países mais industrializados e capitalizados parassem e pensassem em nós os outros, países emergentes ou do terceiro mundo. Agora temos um outro problema que é o factor corrupção que faz parte do processo evolutivo não só do nosso País mas da maioria dos africanos.
Viva a pintura, viva as artes plásticas, e não é por não ser possível viver das artes plásticas que elas vão deixar de existir.
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