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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
YURI DA CUNHA
Dois concertos mesmo balanço
Texto e fotos por Estacios Valoi
30/12/09
Ainda estávamos no Aeroporto Internacional de Maputo numa daquelas noites da semana passada quando é anunciada a chegada do músico e a sua banda de 24 pessoas. Ou melhor, 10 músicos e 4 bailarinas. 24 porque desta vez trouxe a casa, a família, malas, e outros utensílios, afinal o seu natal seria festejado no palco do Coconut no dia 24 de Dezembro e mais tarde, no dia 26, no Big Brother - por sinal a produtora do evento onde esteve em palcos com artistas moçambicanos como Samson, Mega Jr, Sweet Boy's e Neima. O evento foi possível com o apoio das Linhas Aéreas de Moçambique, G.U.T produções, Mira Mar cervejaria, Hotel turismo. Bem-haja em prol da cultura!
Mas a surpresa no segundo dia do concerto onde estiveram 2000 pessoas foi a nova jovem cantora moçambicana Cuca que recentemente voltou da Dinamarca onde esteve a actuar na 15ª Conferência Climática das Nações Unidas. No Big Brother actuou com o músico Yuri da Cunha e foi de arrepiar.
Mas a minha viagem é levar-vos sim ao encontro do Yuri da Cunha, músico Angolano com um percurso artístico muito longo trabalhando em prol da música de África, no geral, e em particular, de Angola. Cada vez mais representa ritmos afros numa dinâmica musical fazendo com que o mundo conheça cada vez mais os países que fazem parte do seu dia-a-dia, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, levando essa voz do povo que às vezes se cala através da música que faz para o mundo inteiro.
E.V: Onde é que o menino Yuri levou as mangas do vizinho?
Y.C: Esse sempre foi um miúdo muito traquina. Essa das mangas, a minha tia tinha uma mangueira ‘pau de manga’ em casa e nós passávamos o dia todo debaixo dela. Tinha um primo mais velho que era o Ruca, o controlador das mangas, e eu tirava-lhe as mangas e basava, o que à noite dava sempre problemas. Mas, a estória da minha traquinice que me marcou foi quando cortei o pénis de um macaco que tínhamos em casa e o meu pai ficou furioso comigo e deu me uma tarei, ainda bem, a educação africana sempre foi com correctivos, fazem bem. Hoje estamos aqui nós miúdos, crescidos, educados, bem aprendidos, apesar de que sou contra a violência mas às vezes um puxão de orelhas faz bem.
E.V: Depois do correctivo quando é que te ‘refugias’ na música?
Y.C: Muito novo, nasci na província de Kwanza Sul e depois dos 4 anos de idade fui viver na Capital Luanda. Mas quando me encontrei como pessoa já era músico, aos 2 anos de idade já andava pelos ao palcos a ‘reboque’ do meu pai que é músico e durante a minha escolaridade também representava as minhas escolas. Quando miúdo representou Luanda num concurso inter-provincial musical e em 1993 entrou para a escola pioneira da Rádio Nacional de Angola
E.V: Levar a música africana para mundo. Qual é o estágio desta?
Y.C: É preciso fazer mais fusão com outras músicas mas sempre com o pé assente no chão e dizer que temos uma identidade, estamos em Moçambique e temos a Marrabenta como cartão postal. Aqueles estilos musicais que são característicos, como a música cubana o que se fez com Compay Segundo (Buena Vista Social Club), esse grupo todo de artistas cubanos que de repente sai do anonimato para se virarem para o sucesso mundial. Mas é preciso ter uma boa equipa de jornalistas, de produção e promoção para eventualmente podermos chegar aos grandes muros.
E.V: Estamos a perder a identidade africana?
Y.C: Vou falar mais de Angola que é onde eu resido, estamos a viver um momento inverso, a juventude começa a fazer mais música de raiz relativamente a anos passados em que não se ouvia nada de raiz, porque acho que a guerra trouxe muitas coisas péssimas mas com ela também esse sentido multicultural. Creio ser positivo no sentido das pessoas terem o conhecimento dessa raiz mas não de a enraizarem, dai que hoje sinto que tivemos um crescimento grande e vamos continuar porque as pessoas estão decididas a fazer o seu melhor.
E.V: Quantos álbuns e em qual encontras o teu ‘eu”?
Y.C: 3 Álbuns e encontro me mais no disco intitulado ‘Eu ‘ por sinal o segundo, contudo o nosso mais recente trabalho discográfico tem também as minhas características.
E.V: Longa carreira artística qual foi a fase mais conturbada e próspera?
Y.C: A mais crítica foi de 1999 até 2003 porque foi muito difícil, depois de ter gravado o disco as coisas não correram como o previsto. Retorno para Angola vindo de Portugal onde estava a viver a procura da reafirmação, o encontro com todas aquelas coisas novas, foi muito difícil e os bons são este tempo em que a gente tem somado progressos relativamente àquilo que definimos como metas a atingir que é elevar a música Angolana, principalmente criar bases e alicerces bem firmes no sentido de amanha podermos ver os nossos filhos seguirem o mesmo caminho que é a identificação da nossa cultura.
E.V: Maputo com 40 graus centígrados, este calor e o público?
Y.C: Acho que os carros em si já controlam o mecanicismo certo, funcionando com hidrogénio e as fábricas que poluem muito… penso que o homem já encontrou o antídoto mas o mais importante é trabalharmos no sentido de não matarmos o mundo. Muita dança, animação, como tem sido sempre, o meu reportório vem carregado de algumas músicas antigas incluindo as do novo álbum intitulado kwuma kwaki, que significa amanheceu em Kibundo, língua tradicional de Angola e outras participações que fomos fazendo em outros discos que têm tido sucesso em Angola, sempre com a dança pelo meio.
Estes discos resgatam a música Angolana, com ritmos tradicionais mas também misturam elementos da música mundial como o funk, rock, pop e balada, sem perder a essência da música africana particularmente a angolana.
E.V: A primeira vez que actuaste em Moçambique te auto convidaste depois de uma conversa com o Júlio Sitoe. Desta vez como é que foi?
Y.C: Foi um pouco difícil decidir actuar em Moçambique nestas datas já que coincidem com o dia da família, 25 de Dezembro, mas trouxe membros da minha família já que temos que partilhar este dia com aqueles que nós amamos, aceitámos. Moçambique faz parte desse amor que nós transportamos. Depois de Angola, Moçambique é o meu segundo País de eleição no mundo todo e depois o Brasil. Moçambique proporciona-me mais um pouco relativamente àquilo que Angola me dá. A humildade dos moçambicanos, é tudo o que se pode ter num mundo minado de amor e é a primeira vez que vou passar um natal em trabalho, fora de Angola.
‘Sou apologista de que devemos resgatar os nossos valores, no Brasil ouve-se música brasileira e temos que valorizar as nossas coisas africanas’.
E.V: De onde surge esse ritmo Kintwene de que tanto falas?
Y.C: Kintwene é um ritmo de Cabinda, mas deixa-me dizer que estivemos num show na África do Sul aquando da celebração do Dia de África com vários artistas da raça africana, e falámos sobre isso. Vais aos Estados Unidos da América e não ouves música africana, Portugal idem. Os africanos têm essa potência africana cultural e se nos unirmos, com certeza mostramos ao mundo aquilo que nós somos e queremos.
A cada dia que passa o mundo vai se globalizando. mas essa não é a globalização da América, nós aqui cada dia que passa ouvimos musica americana. Quem aqui não conhece a Byonce? Todos. O Stewart Sukuma um grande musico moçambicano mas que quase ninguém o conhece em Angola, Dodo Miranda e muita gente não conhece.
E.V: Que se pode esperar de 10 músicos e 4 bailarinos em palco?
Y.C: Este show vai ser o show e não, mais um show com 13 composições do novo disco que traz a mensagem de paz, reconstrução e amor entre irmãos. Em Angola saímos de uma fase muito crítica que foi a guerra e muita gente cruzou os braços pensando que as coisas caiem do céu. E nós que já caímos tanto, sonhamos sempre com um novo dia, por isso o título do álbum é “Amanheceu”. Se o angolano esperar que o brasileiro venha fazer por ele, vai ser complicado. É preciso ir à procura daquilo que nós queremos, e aceitar que não sabemos nada. O angolano tem muito dessa mania de pensar que estamos em grandes mundos.
A primeira vez que vim a Moçambique fiquei surpreso, é assim tão rico! Tiveram a humildade de aceitar apreender e crescer.
E.V: Novos projectos?
Y.C: Temos uma digressão em que vamos escalar vários países da Europa e Cuba, a qual terá a sua abertura com a nossa participação em palco com o músico italiano Eros Ramazoti. Também fiquei satisfeito com o acordo rubricado entre as Linhas Aéreas Angolana TAG e a Moçambicana LAM que vai trazer benefícios no turismo. Mais angolanos e moçambicanos podem viajar em ambas as direcções, o dinheiro entra nos dois países. Nós pagamos e vamos passar férias em Portugal mas o português não vai passar férias em Angola, vai trabalhar em Angola. Por isso todo o dinheiro que sai de Portugal, a ele volta.
E.V: No fim, até os chuviscos que se fizeram sentir não afugentaram o público que lá esteve em massa.
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