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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O drama da caça furtiva ao elefante em Moçambique

( In A verdade)À semelhança da redução da mancha florestal, em virtude do contrabando da madeira, de Moçambique para a China – com o envolvimento dos nossos líderes políticos –, a caça furtiva segue a mesma rota. De 2009 a 2013 foram abatidos 9.345 elefantes, quase metade dos 20.374 paquidermes que constituíam a espécie na altura. O drama é que tudo ocorre perante o olhar cúmplice de quem, por direito, além de criar, deve fazer cumprir a lei... Das outras espécies, no seu todo, na Reserva Nacional do Niassa, em 2011, existiam 13.061 animais, uma quantidade que – no ano seguinte – reduziu para 12.029. No entanto, em 2009, a família de elefantes, com 20.274, um pico alcançado naquela reserva, era a mais alargada. Pensa-se que o fenómeno deve ter decorrido da fuga desses mamíferos de outras regiões do país e da região da África Austral à procura de segurança na província do Niassa. O drama, tomando em conta a legislação moçambicana a favor da protecção da fauna bravia, não tem explicação, é que, dois anos depois, em 2011, esta quantidade reduziu drasticamente. Enquanto se espera pelos resultados do senso agendado para 2014, ainda não há dados sistematizados a nível nacional sobre a situação actual. Todavia, o abate de elefantes é uma actuação diária, sem contar com as carcaças que não são encontradas que, por isso, acabam por ficar à margem das estatísticas da Reserva Nacional do Niassa. O último senso, realizado em 2011, registou 2.627 carcaças encontradas nas quatro categorias existentes segundo as idades: a primeira compreende um intervalo de 24 horas e um mês. A segunda é composta por animais com entre um e 11 meses. A terceira é constituída por indivíduos de nove anos e 11 meses, enquanto na quarta e última categoria figuram os animais com mais de 10 anos. A maior parte das carcaças encontradas pertencem ao quarto grupo e totalizam 2.084, das quais 300 são actuais. Armas envolvidas No Bloco L-7 da Reserva Nacional do Niassa, sobretudo na coutada Luwire, ocorrem muitos episódios de caça furtiva. Na sua maioria são protagonizados por alguns chefes de tribos. Por exemplo, o chefe da comunidade de Gogemo, em Mussoma, no distrito de Mecula, Paulo Raul, foi capturado com 18 munições para armas de calibre 375 e 458. Agostinho Mungua e Raimundo Miquidade, ambos de Mussoma, também foram interpelados e detidos pelas autoridades locais, pelas mesmas razões. Existem caçadores furtivos oriundos da Tanzânia que operam numa das margens da reserva, e os naturais de Mussoma que actuam em Luwire-Lugenda. Em Musssoma, existe um caçador furtivo conhecido pelo nome de Paulo Nhenge, que desenvolve a sua actividade em Luwire na companhia de Agostinho Mungua e Carlos Ussene Maito, secretário do partido Frelimo em Mecula. “Conseguimos recuperar uma arma de caça e dez pontas de marfim”, refere o administrador da Reserva Nacional do Niassa, Cornélio Miguel. Paulo Nhenge está na posse de duas armas, duas armas de calibres 375 e 458 provenientes de um somali que foram usadas pelos caçadores no abate de um elefante que lhes valeu 400 quilos de marfim, no interior de Luwire, na Reserva Nacional do Niassa. O cidadão somali enganou os caçadores e carregadores nacionais dizendo que voltaria para lhes pagar o dinheiro combinado, deixando-lhes como garantia as armas. PRM envolvida Em conexão com o chefe tradicional de Mpamanta, um comandante distrital da PRM conhecido pelo nome Gelo, introduziu duas AKM-47 na zona da concessão de Luwire (L-7) e abateu um búfalo. No entanto, como alguns elementos envolvidos no negócio não tiraram proveito da carne, instalou-se uma intriga no seio da gangue. Em resultado disso, o comandante distrital da PRPM teve de recolher as armas antes de abater um elefante. O assunto que gerou o imbróglio conduziu à cessação de funções do secretário do partido Frelimo de Mpamanta. Por outro lado, Carlos Ussene Maito, o actual secretário do partido Frelimo em Mecula, criou uma intriga que – tendo conduzido o seu antecessor, Lopes Arida, à cessação de funções – o conduziu ao estágio em que se encontra. Fiscais ameaçados “A minha vida está em perigo. Os caçadores furtivos são soltos. Por exemplo, tenho os casos de Agostinho Mungua, Paulo Raul e Raimundo Miquidade todos naturais de Mussoma, e já estão a criar condições para o meu assassinato. Não tem sido uma missão fácil trabalhar aqui. Tivemos o registo de alguns tanzanianos, somalis e quenianos envolvidos no abate de elefantes. No entanto, vezes sem conta, quando os fiscais encontram os caçadores furtivos há troca de tiros, o que faz com que muitas vezes eles abandonem o terreno deixando as suas armas”, narrou um fiscal cujo nome não revelamos para salvaguardar a sua segurança. Um outro fiscal contactado pela nossa reportagem referiu que “na Reserva Nacional do Niassa existe uma zona “especial”, explorada unicamente por membros do Governo moçambicano. Por isso, a mesma é interdita aos fiscais. Localiza-se perto do distrito. E lá podemos encontrar 50 carcaças de elefantes abatidos”. Entretanto, alguns homens da guarda fronteira trabalham em conexão com a Polícia para abater elefantes. “Uma senhora casada com um tanzaniano contou-me que o seu marido compra munições nos agentes da PRM, para a sua actividade ilegal em Matondovela, no monte Lissimba, área de Mecula”, revelou o fiscal que solicitou que o mantivéssemos no anonimato. Na fronteira entre Moçambique e Tanzânia, a polícia da guarda fronteira moçambicana não trabalha, necessariamente, a favor do Governo moçambicano. Especializou-se na caça furtiva e na exploração ilegal da madeira que constituem actividades que valem mais sob o ponto de vista financeiro. Então, eles são o elo entre os produtos e o mercado estrangeiro. Entretanto, no meio de tanta criminalidade, ainda existem algumas pessoas que prezam a honestidade: “A minha vida está em perigo. Também existem outras ameaças, mas continuo a fazer o meu serviço, mesmo com a existência de alguns colegas que colaboram com os caçadores furtivos”. Além do mais, “estes animais são nossos. Eu tenho de mantê-los em conservação. Os estrangeiros afectos nessas coutadas nunca as poderão levar. Um fiscal de nome Matequenha que actuava no afugentamento ficou sem a arma e as munições por causa da caça furtiva. Também fui contratado para usar esta arma na caça furtiva, sou ajuramentado, por isso recusei”, refere um fiscal. As rotas do marfim Na entrada da fronteira entre Tanzânia e Moçambique, a reserva tem cerca de 410 quilómetros, onde a caça furtiva vem sendo praticada em regime de sindicatos organizados. Eles têm equipamento, técnicas, e conhecimentos no uso de material bélico para o abate de animais. Alguns entram através da cidade de Pemba, outros vão pelos distritos de Moeda e de Montepuez, mas a maioria dos caçadores furtivos utiliza a linha da fronteira. Existem caçadores furtivos do distrito de Marupá-Mecula, em Niassa, que estão acantonados na província de Cabo Delgado. Por outro lado, em Montepuez, na província de Cabo Delgado, existe o centro de instrução militar que facilita a venda de armamento e munições para a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa. Os maiores vendedores do marfim são cidadãos tanzanianos, mas compram-no em Moçambique. Quando vêem com os seus próprios caçadores, eles é que abatem os paquidermes. As pessoas que carregam o bicho, e as que dirigem o carro mostrando- -lhes as regiões seguras, todas recebem uma comissão pelo seu trabalho. Em Marrupa há sempre alguns chineses estacionados à espera da compra do marfim. A nossa reportagem simulou uma compra das pontas de marfim, o que nos possibilitou conversar com os vendedores, ver e manusear os produtos. Sabe-se que, em Maputo, uma das lojas se localiza na Praça 25 de Junho, e pertence à Associação dos Artesãos da Cidade de Pemba. No norte de Moçambique, o marfim entra na Tanzânia através da Ponte da Unidade, das aldeias Msisiwe, Magazing, Matwiga, incluindo as zonas de Lokwika Game Camp, Ruaha, as áreas de Arusha e Masasi, de onde o produto chega ao porto de Dar Es-Salaam através da estrada Iringa – Dodoma e é exportado para a China. Os cidadãos deste país que trabalham na construção da via também estão envolvidos nestes actos ilícitos. A lei moçambicana A actual lei moçambicana de conservação da floresta e fauna bravia favorece os sindicatos do crime de “colarinho branco”, e, embora já exista uma nova proposta para a sua revisão, submetida ao Parlamento moçambicano, a mesma só estipula uma pena de prisão de 2 a 8 anos para os criminosos. Por isso, “sentimos que a nossa legislação não penaliza as infracções do sector florestal e faunístico. Ela actua mais para questões que têm a ver com as queimadas descontroladas”, comenta um fiscal. De acordo com Cornélio Miguel, no Kruger Park fomenta-se a caça furtiva com recurso ao suborno – cerca de 270 mil meticais – mas, infelizmente, em nenhuma parte da legislação há um artigo específico sobre esse assunto. Por outro lado, o sistema de segurança dos parques e reservas nacionais é fragilizado pela existência de falsos fiscais infiltrados que, estando a trabalhar no sector, pesquisam sobre como o mesmo funciona. “Realmente existem muitos espiões na nossa segurança. Por exemplo, Zito António Nacamo e o seu tio Paulo Nhenge têm duas armas de caça. Já trabalharam juntos e ele já foi denunciado por um seu amigo segundo o qual o infractor teria roubado uma arma de fogo para a prática de caça furtiva”. Estácios Valoi(Forum for African Investigative Reporters e WITS China-Africa